domingo, 24 de agosto de 2008

Uma carta de indignação

Hoje recebi uma carta de um estudante de dança que retrata uma realidade vivida constatemente por estudantes da unidade: o preconceito. Irei transcrevê-la abaixo na íntegra

Amigos, sei que muito já foi dito , mas sinto ainda que palavras me restam...

Peço paciência para vossos olhos. A carta pode parecer um pouco emocionada, porque quando é com alguém muito próximo os sentimentos se confundem. Infelizmente estou distante do movimento por uma questão de uma viagem a trabalho. Mas quero aqui me fazer presente e dizer que outros se manifestem, façamos crescer. Que ultrapasse as barreiras de UFBA e movimente outros espaços. Um movimento contra a violência da mulher e a brutalidade do pensamento dos gestores públicos. Assim segue >>>>

Quero acrescentar palavras...

Após ler o texto escrito pela Gestão do Diretório Acadêmico de Teatro da UFBA,e tantos outros online, além de conversar com amigos, o que de fato me espanta é a posição dos nossos gestores universitários. O Vice-Reitor da UFBA, Francisco Mesquita, ao insinuar, ou melhor, dizer claramente, que a aluna se encontrava em situação propícia ao estupro, pela forma como se trajava, no mínimo é um ato de brutalidade que o coloca no mesmo nível do violentador. A meu ver um olhar tão machista, libidinoso e ignorante, onde o corpo da mulher é tão objeto de consumo sexual, que pra ele o fato de uma garota caminhar com saias curtas já a coloca em situação de risco. Afirmo novamente: MACHISTA, LIBIDINOSO e IGNORANTE. Alguém que julga o corpo feminino como o lugar do mero sexo, prazer, tentação, pudor e poder... é assim que vos vejo, senhor vice-reitor.

Felizmente tive outra formação, assim como a estudante em questão. Somos de DANÇA. Temos outra relação com o corpo e não admitimos comentários como esses, ainda mais vindo de um gestor universitário.

Na UFBA, estes tipos de ataques são normais... não é primeira vez que a instituição toma posicionamentos de tolhimentos ao corpo. Há tempo atrás, porém não tão distante, 2005, um outro aluno na Escola de Dança foi abordado na portaria central do Campus Ondina por um segurança por estar andando sem camisa. Isso porque o aluno havia acabado de retornar de uma aula prática na praia e estava voltando ao Campus para banhar-se e trocar de roupa. Não precisou que o aluno o explicasse o fato, nem mesmo o segurança lhe deu espaço para isso. O aluno foi agredido verbalmente e ameaçado pelo segurança. No meio dos insultos e sarcasmos do segurança, não faltou a velha discriminação machista, ignorante e também libidinosa (por que não?), de interpelar o aluno como "viado", "bicha", entre outros – PORQUE??.

Foi um escândalo (abafado) no Campus. Alunos, professores, funcionários e diretoria da escola se mobilizaram protestando contra a ação do segurança. A universidade então pediu o afastamento do funcionário, terceirizado, que não foi demitido, somente transferido de posto. Não se tratava de demitir o funcionário, a questão está para além disso. O problema maior era a normalidade como eram tratadas as coisas, e pior, houve ainda quem desse razão ao segurança. Alegaram ser falta de respeito do estudante caminhar sem camisa, ou seja, o segurança devia ter feito mais do que fez. (?)

Os casos não param por ai. Alunos e alunas da Escola de Dança são constantemente assediados pelos seguranças da portaria central da universidade. Olhares, comentários, sacarmos e piadinhas assediosas durante a passagem dos alunos, principalmente as mulheres, são comuns todas as manhãs. Não esqueçamos também dos gays, sim porque a Escola de Dança da UFBA tem Gays. Não só lá... em toda universidade, na cidade, enfim (E qual o problema??).

E isso tudo não acontece somente devidas as saias curtas citadas pelo vice-reitor não. As piadinhas, risinhos, comentariozinhos, são super comuns. Qualquer coisa: da cor do cabelo à maneira como andamos, tudo é motivo. O nosso corpo a todo tempo é mirado. E se dizemos algo, há sempre quem afirme que temos mesmo que andar com roupas X e não Y (como o VICE-REITOR INSINUOU).

Dizemos não!

Não vamos contribuir com esses comentários absurdos. Não deixaremos de caminhar na trilha que liga Letras a Dança, nem mudaremos nossas roupas, nem nos comportaremos diferentes.

O mais louco dessa história toda é que tudo é dentro do espaço universitário, e pior, numa universidade que tem uma Escola de Dança mais antiga da América Latina. Os cinqüenta e dois anos da nossa faculdade ainda não foram suficientes para abrir nem mesmo a visão dos nossos gestores. A eles, preferem preservar o patrimônio: os prédios, objetos e "coisas" da universidade são protegidas por uma segurança privada que nem dá conta disso. Casos de roubos e furtos acontecem cotidianamente entre as grades e paredes da UFBA. Como cabos enoooormes de cobre que roubaram da Escola de Dança em 2006. Cabos enooormes sumiram da escola que fica na entrada principal do Campus Ondina, onde supostamente há o maior reforço de segurança. Fora os computadores, fax, projetores, câmeras, entre tantos outros.

O que a UFBA quer proteger?

Enquanto isso a vida dos estudantes, professores, funcionários fica a disposição da violência carnal e verbal. Sim, porque qualifico a declaração do Vice-Reitor um ato de violência. Violência a mulher, a uma jovem... violência a um curso inteiro, porque sim!! Continuaremos a usar nossas roupas de aula (que chamamos de “MALHA”) e até mesmo as saias curtas e caminharemos no Campus da Universidade, mesmo lembrando dos olhares de pudor, moralismo, machismo, violento, libidinoso e ignorante do nosso vice-reitor.

Lamentavelmente temos um gestor que pense dessa maneira...

Também de Luto,

Sérgio Andrade

Aluno da Escola De Dança da UFBA.

Em Cali, Colombia.

Comissão de Imprensa UFBA

P.S: Aos que enviarem textos para o blog, por favor, criem um título !

Um comentário:

Júlia disse...

são declarações como a do vice-reitor que fazem tantas mulheres se calarem diante da violência sexual COTIDIANAMENTE sofrida.

além disso,qualquer mulher que ande pelas ruas de Salvador sofre assédio verbal diariamente. E como diz lenine: " a loucura finge que tudo isso é normal".